domingo, 9 de junho de 2019

Trilogia da Vida de Pasolini




Título original: Il Decameron; I Racconti di Canterbury; Il Fiore delle Mille e Una Notte
Dirigido por: Pier Paolo Pasolini
Tempo de duração: 111 minutos; 111 minutos; 130 minutos
Ano de lançamento: 1971; 1972; 1974






Sinopses:

Decameron: Adaptação de contos de Boccaccio, como as freiras devassas que realizam milagres sexuais, uma esposa traiçoeira com habilidade para negócios, um artista tuberculoso à beira da morte que tenta trapacear o Céu, jovens amantes flagrados e outros. Trailer

Os Contos de Canterbury: Um grupo de peregrinos viaja rumo à Catedral de Canterbury, em uma longa caminhada que dura dias. Para superar as longas noites sem sono, os viajantes passam a relatar contos eróticos como forma de passar o tempo. Uma afirmação do prazer e da alegria, aliadas a celebração positiva do sexo, do corpo e das pequenas ambições e suas satisfações imediatas. Trailer

As Mil e Uma Noites: Um homem começa uma viagem à procura de sua amante, uma bela escrava chamada Zumurrud, que foi raptada por um ser de olhos azuis. No caminho de sua longa busca, seu caminho vai cruzar com uma série de outros personagens envolvidos em traições, cobiças e desejos. Trailer

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 18 ANOS

Resenha:

Pier Paolo Pasolini foi um grande cineasta, poeta e escritor, conhecido, principalmente por suas produções críticas sobre o governo e a sociedade na Itália. Contra o consumo desenfreado, o fascismo que vivera e a hipocrisia, Pasolini utiliza de grandes obras da literatura mundial para uma releitura crítica, enaltecendo a simplicidade, a liberdade e sexualidade. A Trilogia da Vida é uma celebração das aventuras e desventuras em pequenos contos da vida campestre e cotidiana.

"Os bens supérfluos, tornam a vida supérflua."

Em O Decameron (Il Decameron, 1971), as dez pequenas histórias contadas tem como elo comum a maneira os problemas são resolvidos, a maioria com resultados inacreditáveis. A obra original de Boccaccio é uma coletânia de cem histórias narradas em dez dias de um grupo de camponeses a fugir da peste. Na obra cinematográfica, a seleção de contos feita por Pasolini mantém esse caráter do entretenimento, mas carregada de crítica sobre as maldades contra os ingênuos, o sexo como amor e perversão, desigualdades sociais e moralidade.




Os Contos de Canterbury (I Racconti di Canterbury, 1972) mantém os mesmos temas de O Decamenron, entretanto é mais irreverente ainda, com uma grande tessitura de críticas sobre a religiosidade e os falsos moralismos. Sendo uma obra sobre um grupo de peregrinos a caminho da Catedral de Canterbury, Pasolini demonstra com mais ênfase que as instituições políticas e religiosas estão corrompidas em seu cerne.



As Mil e uma Noites (Il Fiore delle Mille Una Notte, 1974) já tem uma trama principal entre dois apaixonados que seguem uma longa jornada em busca do reencontro. As narrativas decorrem na jornada de Nur ed-Din (Franco Merli) e Zumurrùd (Ines Pellegrini) que os levam a conhecer pessoas que contam suas histórias de vida. Neste filme, as histórias são mais trágicas, pois enquanto o casal percorre um caminho para o amor, eles encontram várias histórias de cobiça e traição. Este filme foi filmado em Irã, Yemen, Etiópia, Índia e Nepal, países que ambientam melhor a Arábia do que a Itália, onde os outros filmes foram filmados.


"A verdade não está em um só sonho, ela está em mil."

Um elemento interessante das três obras é a narrativa, que numa visão benjaminiana, é uma troca de experiências. A narrativa tem o poder de transmitir ao leitor/espectador experiências não vividas e conselhos importantes. O narrador em nas duas obras é o próprio cineasta, que, em Decameron e Os Contos de Canterbury, aparece na figura do criador.




Em Decameron, Pasolini é um pintor que cria imagens do que foi representado nas histórias em cores vívidas que demonstram a vida como algo colorido. Já em Os Contos de Canterbury, Pasolini faz o papel de Chaucer, autor da obra literária homônima, escrevendo os contos. O artista é aquele que tem uma visão, um sonho, mas que não consegue representá-lo fielmente.

“Por que criar uma obra de arte se sonhar com ela é tão mais doce?”
Em As Mil e Uma Noites não há um único narrador, mas vários narradores que contam além de suas experiencias próprias as experiencias de pessoas com quem tiveram uma história junto. É uma grande trama narrativa que até pode deixar o espectador um pouco confuso, entretanto é extremamente interessante quando percebemos que as vidas humanas estão sempre conectadas às outras.

A escolha dos atores não é ao acaso. Atores quase sem experiencia transmite maior impressão de naturalidade e improviso na atuação. Quanto à estética, faço o questionamento: como representar o cotidiano sem pessoas características do cotidiano? Não há um padrão de beleza entre os atores, são todos corpos diferenciados que inclui o espectador numa sensação de familiaridade consigo.

Dois atores aparecem em todos os filmes: Ninetto Davoli e Franco Citti. O primeiro sempre representa a parte cômica da vida, boêmia e despreocupada enquanto o segundo é mais sombrio e trágico. A vida é assim composta por essas duas imagens constantemente contrapostas.

Infelizmente, a trilogia foi classificada como pornográfica e estigmatizada assim, como demostrado nas sinopses. Isso afasta as pessoas das reflexões profundas de Pasolini. A contemporaneidade das obras clássicas (tanto as literárias quanto as cinematográficas) é impressionante na medida que a cada leitura é uma releitura que se encaixa perfeitamente nos nossos contextos sociais. Fica aqui um convite a conhecer o trabalho desse artista tão ácido e versátil.

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